O pedido de reconhecimento da cidadania por via consular

Já escrevi aqui no meu website dois artigos sobre o reconhecimento da cidadania italiana feito por via consular. Convido que leiam ou releiam:

Todavia, neste artigo quero esclarecer um ponto que curiosamente causa espanto em tanta gente e que já abordei em pequenos vídeos ou comentários nas redes sociais.

Quem reconhece a cidadania italiana é o cônsul!

Muita gente pensa que ao entregar os documentos para o reconhecimento da cidadania italiana ao consulado, o funcionário consular irá dar início a um “processo” que culminará ou não com o deferimento da cidadania italiana “lá no comune na Itália”.

Alguns funcionários consulares deixam até mesmo subentendido para o cidadão que a decisão final é do comune e, portanto, determinados erros ou pequenas incongruências na documentação “não passarão”, justificando assim exigências absurdas de correções absolutamente desnecessárias nos registros brasileiros.

Para justificar um puro obstrucionismo (leia meu artigo sobre o que é obstrucionismo clicando aqui), o funcionário consular cria um bode expiatório e terceiriza responsabilidades para uma entidade que está a dez mil quilômetros de distância. Muitos ainda dizem cinicamente: “por mim isso passaria, mas lá na Itália não vão aceitar!”. Coloquem nos comentários se já não ouviram ou leram algo semelhante.

Quero deixar claro que há funcionários consulares maravilhosos, cumpridores do seu dever e dotados de boa-vontade e empatia. Todavia, nós sabemos que infelizmente não são a maioria.

Continuando, é importante que todos saibam que o responsável pelo reconhecimento da cidadania é o cônsul ou um funcionário por ele designado. O comune na Itália receberá apenas e tão somente um atestado de cidadania e os documentos do requerente para a transcrição.

O comune não receberá toda a documentação do reconhecimento da cidadania! Essa documentação fica arquivada (“agli atti“) no consulado; o comune não tem acesso a ela!

Portanto, se o seu dante causa é o trisavô que emigrou da Itália, as certidões relativas a ele, ao bisavô, ao avô e ao teu pai ficam no consulado. O oficial do comune não terá acesso a elas!

Isso ficou claro? Portanto, nunca mais suponham que aquele errinho na certidão de casamento do bisavô ou aquele probleminha na certidão de óbito do vovô “podem não ser aceitos lá na Itália”. Quem aceita ou não aceita é exclusivamente o consulado. Quando um consulado rejeita sua documentação por erros banais, ou seja, erros plenamente justificáveis pela época e circunstâncias em que ocorreram, saiba que o comune nada tem a ver com isso.

E por que eu digo isso? Vamos lá:

Decreto Legislativo n.º 71 de 3 de fevereiro de 2011 – Ordenamento e funções das sedes consulares:

Funções relativas ao registro civil.
Art. 1. O chefe da sede consular exercita em face dos cidadãos as funções de oficial de registro civil, respeitando a legislação nacional.

Art. 10 – Cidadania italiana
1. O chefe da sede consular verifica a posse da cidadania italiana, com todos os meios úteis, assim como previsto pelo inciso 2, e emite o relativo certificado aos cidadãos residentes.
2. Para verificar o status de cidadania, o chefe da sede consular executa as oportunas diligências de ofício, fazendo uso de todos os meios de provas admitidos pela legislação nacional e pela legislação local, salvo, para os segundos, a sua avaliação discricionária quanto à sua força probatória.

Portanto, no exterior, quem exercita as funções de competência do oficial de registro civil é o cônsul. É ele ou seu funcionário delegado que reconhece a posse da cidadania italiana daqueles que solicitam o reconhecimento da nacionalidade por filiação (ius sanguinis).

Os especialistas Renzo Calvigioni e Tiziana Piola no livro “Il riconoscimento della cittadinanza italiana iure sanguinis” (Maggioli Editore, 2017) informam com clareza nas páginas 144, 145 e 146:

 

 

É necessário esclarecer imediatamente que, tratando-se de competência exclusiva da nossa autoridade consular, o oficial de registro civil [do comune] não tem nenhuma possibilidade de entrar no mérito do procedimento executado pelo consulado ou de contestar o reconhecimento da cidadania italiana a favor do direto interessado titular da documentação transmitida [para a transcrição].

 

 

Resumindo, são transmitidos [ao comune] unicamente:
– as certidões de registro civil que devem ser transcritas pelo oficial de registro civil [do comune],
– o atestado de quem foi efetuado o procedimento de reconhecimento da cidadania e de os documentos são relativos ao um cidadão italiano;
– o formulário para a inscrição AIRE, evitando a transmissão das outras certidões relativas aos ascendentes, pois não deverão ser transcritas, mas serviram somente para verificar a existência das condições que possibilitaram a transmissão da cidadania do dante causa até o requerente. Este aspecto, ou seja, a falta das certidões e documentação relativa aos ascendentes, arquivados pelo consulado e nem mesmo transmitidos para a visão do oficial de registro civil [do comune], torna impossível qualquer questionamento quanto ao reconhecimento da cidadania feita pela nossa autoridade consular; visto que sem nenhuma dúvida trata-se de competência exclusiva do consulado, a falta da documentação relativa impede que o oficial de registro civil [do comune] possa verificá-la, devendo se limitar a transcrever o que já foi decidido pelo consulado.

 

Espero que tenha ficado claro que no momento em que o consulado envia a documentação para o comune a fim de que as certidões do requerente sejam transcritas, o reconhecimento da cidadania já está concluído! Não cabe mais ao comune questionar o que quer que seja (somente em casos raríssimos em que haja problemas graves nas certidões apenas dos requerentes, que são os únicos que o oficial de registro civil do comune recebe).

Não aceitem desculpas esfarrapadas que jogam a responsabilidades em pessoas que jamais vão ter acesso à documentação questionada. Se o funcionário consular quer fazer uma objeção que o faça às claras e que justifique seu ato por escrito como determina a lei.

Leiam também o meu artigo em que demonstro que “Não é através da transcrição que se obtém a cidadania italiana; mas é a posse da cidadania italiana que leva à transcrição.”


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