O reconhecimento da cidadania italiana e as retificações de registro civil


Uma das dúvidas mais recorrentes no mundo da cidadania italiana é: devo ou não retificar erros existente nos registros da minha família? O que afinal dizem leis e normativas sobre o tema?

A resposta é bastante simples: nenhuma lei ou normativa aborda a questão da retificação a partir da óptica do reconhecimento da cidadania e, portanto, envolvendo assentos de registro civil formados (lavrados) fora da Itália.

Existem obviamente artigos do código civil italiano e do DPR 396/2000 (“Ordinamento dello stato civile”) que abordam a questão de erros contidos em assentos de registro civil, mas somente do registro civil italiano. Ademais, em nenhum momento se toca a questão de erros ocorridos no exterior e muito menos em situações relacionadas ao reconhecimento da cidadania.

Repito aqui uma importante observação que considero sempre pertinente: a legislação em matéria de reconhecimento da cidadania não foi elaborada pensando em descendentes de terceira, quarta ou quinta gerações a partir de um imigrante italiano que deixou a Itália há mais de cem anos. Este é um fato. O legislador, seja em 1912 ou em 1992, ao elaborar a lei que rege a transmissão da cidadania italiana pensava nos filhos de cidadãos nascidos na Itália e que haviam emigrado. Talvez em 1992 alguém tenha pensado em gerações subsequentes, mas todo arcabouço jurídico jamais vislumbrou verdadeiras reconstruções genealógicas de quatro ou cinco gerações. E muito dos problemas enfrentados pelos descendentes decorrem do vazio normativo (da falta de normas e orientações) que existe na “reconstrução” da cidadania italiana.

Trocando em miúdos: não existe nenhuma legge, decreto, circolare, nota, telespresso ou qualquer outra norma que regule os erros em nomes e sobrenomes e a respectiva necessidade ou não de retificação quando o tema é a reconstrução da cidadania por transmissão por filiação.

O que isso significa? Se o Estado (isto é, a Itália) não determina o que precisa ou não ser corrigido, cada operador (funcionário consular, oficial de comune) investe-se do direito de fazer como bem entender.

De maneira geral, os consulados no Brasil tendem a ser flexíveis com os erros de grafia, mesmo os mais radicais, que transformam a família “Maniero” em “Marinheiro” ou “Ceccon” em “Chicão”. Mas que fique claro: trata-se apenas de uma tendência, não é nenhuma regra e isso pode mudar de acordo com o funcionário e até com o humor de um mesmo funcionário. Numa semana ele/ela está feliz e aceita um sobrenome “Pignataro” que virou “Pinheiro”. Na semana seguinte, o/a mesmo/a funcionário/a está chateado e não aceita um “Pavan” que virou “Pavani” (situação que nem mesmo configura um erro de grafia, mas é apenas uma variação “orgânica” desse sobrenome italiano).

Quem pretende pedir a cidadania diretamente na Itália estabelecendo residência tem uma tarefa ainda mais dura: existem quase 8 mil municípios (os “comuni” o as comunas) na Itália. Cada um deles pode aplicar a regra que achar conveniente. É justamente esse “meio-de-campo” que os bons assessores sabem explorar de forma positiva.

Afinal, não retificar significa correr riscos? Sim! E se eu retificar, posso ficar tranquilo? Nem tanto! Alguns municípios na Itália estão começando a pedir as sentenças de retificação devidamente traduzidas e apostiladas para conferência. Isso ocorre porque é o procedimento correto, embora raramente aplicado.

Então se ficar o bicho pega e se correr o bicho come? Infelizmente depende da sorte. E isso não significa apenas em escolher o “comune correto”, pois isso pode mudar de um ano para o outro.

O grande problema está na inação ou na inércia do Ministero dell’Interno, que já deveria há muito tempo ter normatizado essa e outras questões.

Para concluir, o comportamento mais indicado é apresentar a documentação ao órgão que irá receber seu pedido de cidadania (consulado ou comune) e verificar como eles pretendem se comportar com relação a seus erros. Peça uma resposta por escrito. O grande problema é que tanto os consulados como os comuni raramente abrem espaço para essa verificação prévia. Contudo, sempre que possível insista, pesquisa, pergunte nos grupos. Informação é poder.


MITOS SOBRE RETIFICAÇÕES:

MITO 1: Existe uma lei que diz que se “for só uma letra” é aceito. Não existe.
MITO 2: Existe uma lei que diz que se não mudar a fonética (Chinaglia = Quinalha) é aceito. Não existe.
MITO 3: Existe uma lei que diz que o nome pode ser “abrasileirado” (na verdade “aportuguesado”, pois não falamos a “língua brasileira”), mas o sobrenome não. Não existe.
MITO 4: Existe uma regra que diz que cada pessoa na linha tem de nascer, casar e morrer com o mesmo nome (ou seja, se o sobrenome estiver errado no filho do italiano e ele nascer, casar e morrer com aquele nome errado então tudo bem). Não existe.
MITO 5: Existe uma retificação apenas para fins de cidadania. Definitivamente não existe.


ADENDOS

ADENDO Nº.1: Taddone, isso também vale para pedido de cidadania nos consulados no Brasil? Sim, vale para qualquer situação, mas nos consulados no Brasil existe maior elasticidade. Como eu disse: informem-se por escrito. Se responderem que determinado erro passa, fica-se mais tranquilo. Todavia, lembrem-se que os tempos da cidadania são longos e não pense que respostas, mesmo que por escrito, sejam garantias vinculantes. Se a pessoa que respondeu entrar em férias, mudar de setor, for para outro consulado ou morrer, não imaginem que o substituto vai endossar tudo o que o antecessor respondeu.

ADENDO Nº.2: Taddone, se eu retificar o meu nome, do meu pai e do meu avô corro o risco de perder um imóvel, um carro ou o direito à minha herança? Não, não existe o menor risco de algo assim acontecer. Retificação de nome não é bicho-de-sete-cabeças. Inicialmente dá um bom trabalho, mas com o tempo tudo se resolve. Ninguém perde imóvel, carro, empresas porque teve o nome retificado. A retificação fica averbada no registro de nascimento do cidadão e é feita por um mandado judicial, ou seja, ninguém poderá depois dizer que “Antonio Cavalieri” de hoje não é o mesmo “Antonio Cavalheiro” do passado. Está tudo ali provado por A + B. Ao sair a retificação todos os envolvidos terão de tirar novos documentos de identidade e paulatinamente ir mudando cadastros em cartórios de imóveis, em juntas comerciais, bancos etc. Repito, dá trabalho no começo, mas depois de uns dois ou três anos já está no passado.

ADENDO Nº.3: Alerta importante do amigo Paulo Santos: ao optar pela retificação judicial peçam (se necessário exijam) que o advogado responsável mostre a lista de erros a serem corrigidos que será apresentada em juízo. Controlem nome por nome, letra por letra, data por data com muitíssima atenção! E depois de dada a sentença verifiquem tudo novamente, dez vezes se for preciso. Peçam a mais de uma pessoa que verifique junto. Uma das piores coisas que existe no mundo do registro civil é uma “retificação errada”. Isso é péssimo, pois suja e polui o registro de nascimento, casamento e óbito com um erro em cima do outro. E infelizmente isso acontece com frequência.


Este texto foi originalmente escrito em 2015. Editado pela última vez em 3 de maio de 2021.


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